Por Davi Pascale
Publicado originalmente no site Consultoria do Rock
Revirando minha coleção de discos, me deparei com esse CD
que não escutava há algum tempo. Todo mundo conhece o famoso trabalho de
estréia da norte-americana Sheryl Crow intitulado Tuesday Night Music Club
que invadiu as rádios do mundo todo em 1993 com musicas como “All I
Wanna Do”, “Leaving Las Vegas”, “Strong Enough”, “Can´t Cry Anymore”,
“Run, Baby Run”… O que muitos não sabem, contudo, é que esse não era
exatamente o início de sua carreira.
Antes
de atingir o estrelato, Sheryl Suzanne Crow, nascida na pequena cidade
Kenett, foi professora de música em uma escola primária chamada Kellison
(localizada em outra pequena cidade dos Estados Unidos, Fenton). Atuou
ainda como cantora de jingles, foi backing vocal em turnês de artistas
do calibre de Michael Jackson, Joe Cocker e Bonnie Raitt, compôs para
artistas renomados (como “Love You Blind” de Celine Dion, por exemplo) e
gravou backing vocals no disco de outras grandes estrelas como Rod
Stewart, Stevie Wonder e Don Henley.
Seu
primeiro álbum, na realidade, foi gravado dois anos antes de atingir a
fama. Para a produção foi chamado o inglês Hugh Charles Padhgam,
profissional renomado que já tinha trabalhado em álbuns como Invisible Touch (Genesis), Synchronicity (The Police) e Press to Play
(Paul McCartney), só para citar alguns. Na lista de músicos, além da
própria Sheryl, estavam nomes como Vinnie Colaiuta (baterista que já
acompanhou artistas como Jeff Beck, Sting e Frank Zappa), Pino Palladino
(atual baixista do The Who) e o guitarrista Dominic Miller (guitarrista
que já trabalhou com Sting, Phil Collins e King Swamp).
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Sheryl Crow atuando como backing do Michael Jackson |
A
cantora norte-americana assinou seu contrato com a A&M Records em
1991. Logo de cara, entrou em estúdio para gravar seu material de
estréia. O material ficou pronto no ano seguinte e deveria ter sido
lançado em 22 de Setembro de 1992. No entanto, de ultima hora, o
material foi engavetado. A gravadora dizia que o álbum não era comercial
o suficiente. Sheryl, por outro lado, gostava das músicas, mas não
gostava da sonoridade do álbum. Unindo o útil ao agradável, a artista
resolveu começar com outro projeto, do zero mesmo, que acabou resultando
no disco que todos conhecem.
Vale
ressaltar uma curiosidade… Muitos tratam esse álbum como o disco “nunca
lançado”. O CD que eu tenho (bootleg, obviamente), inclusive, traz essa
informação. No entanto, isso é uma meia verdade. Como assim? É verdade
que esse CD nunca foi para as lojas, mas a gravadora chegou a iniciar
seu trabalho de divulgação antes de abortá-lo. O material realmente não
existe no formato compact disc, mas algumas fitas cassetes foram
distribuídas para os jornalistas da época com esse material. Essas fitas
foram prensadas pela A&M Records, portanto, é um material oficial.
Ou seja, ele existe promocionalmente. Foi daí que nasceram os famosos
bootlegs…
O
lado A trazia as canções “All Kinds Of People”, “Father, Son”, “What
Does It Matter”, “Indian Summer”, “I Will Walk With You” e encerrava com
“Love You Blind”. Já o lado B trazia as faixas “Near Me”, “When Love Is
Over”, “You Want It All”, “Hundreads of Tears”, “The Last Time” e “The
Borrowed Time”.
Mas
afinal de contas… O album era tão ruim assim? Ele é ou não é comercial?
Vamos à ele… No meu CD, está gravado primeiro o lado B e depois o lado
A, mas vou manter a sequência acima para não confundir os leitores…
Começaremos
pelo primeiro lado da tal fita. “All Kinds os People” e “Indian Summer”
são musicas que poderiam facilmente terem se tornado grandes hits na
década de 80. Traziam boas linhas vocais, teclado em excesso e refrões
de fácil assimilação. Entretanto, em se tratando de anos 1990, os
arranjos já soavam um pouco ultrapassados para a época. As músicas,
contudo, não são ruins. Inclusive, “All Kinds of People” foi regravada
mais tarde por Tina Turner em seu álbum Wildest Dreams.
“Father´s Son”, por outro lado, já dava uma dica do que a cantora faria
no futuro com forte presença de violões e já trazendo seu estilo
característico de cantar. Poderia facilmente ter sido regravado em
trabalhos posteriores, assim como a linda balada “What Does It Matter”
que além de trazer uma bonita orquestração, ainda contou com a
participação mais do que especial do ‘eagle’ Don Henley. A faixa já
trazia uma roupagem bem madura e agradaria seus atuais fãs. “I Will Walk
With You” é mais uma balada que tem o piano como base principal.
Entretanto o refrão com coral por trás, com uma guitarra crescendo no
solo no meio de uma musica, traz de volta aquela sonoridade pop
oitentista que me agrada, mas já estava saindo de moda nessa época. O
lado A encerra com “Love You Blind” que é aquela faixa que citei ter
sido gravada por Celine Dion lá no inicio do texto. Uma faixa não mais
do que razoável.
O
lado B inicia com a boa “Near Me” que, mais uma vez, eliminando os
teclados, torna-se uma canção típica da artista. A única desse segundo
lado com tal característica, mas não a única faixa bacana. As animadas
“You Want It All” e “The Last Time” também são muito boas. Além de
trazerem um ótimo trabalho vocal, já davam a dica de quão talentosa era
Sheryl Crow enquanto compositora. Os arranjos são bem legais. “The Last
Time”, para mim, é um dos pontos alto do álbum. “When Love Is Over”,
“Hundreds of Tears” e “Borrowed Times” trazem de volta aquele lado
baladeiro com fortes influencias da década de 80. Dessas 3, a única que
considero fraquinha é “When Love Is Over”.
Em
resumo, o álbum é bem legal, mas realmente não traz, ao menos na maior
parte do tempo, uma sonoridade que nos remeta imediatamente à imagem da
artista. Durante o CD ela transita por diferentes sonoridades, o que
demonstra que ainda estava em busca do seu som. Algo perfeitamente
normal para quem está iniciando uma carreira. Entretanto, não concordo
com a gravadora de que o álbum não era comercial. Pelo contrario, acho
mais pop do que o som posterior dela. E algumas músicas daí, com
pequenos ajustes (dando uma atualizada nos arranjos, para ser mais
preciso), tornariam-se hits fácil, fácil…
Entendo
a crítica que a artista faz ao material. Para quem não está por dentro,
ela costuma dizer que acha a produção exagerada e que quando resolveu
fazer o (ótimo) Tuesday Night Music Club, a principal
meta dela era buscar um som mais polido. Realmente há um exagero no uso
dos teclados, que na verdade é o que ajuda a dar essa cara oitentista
que tanto mencionei no texto. Entretanto, não acho que seja um material
ultrajante a ponto de ficar trancando a sete chaves. Pelo contrario,
como disse anteriormente, o disco é bom… Ainda acho que deveria lançar
esse material oficialmente, afinal faz parte da historia e o respeito
dela enquanto artista já está mais do que conquistado. Em 2013, fez 20
anos que ela atingiu a fama. Teria sido uma boa “desculpa” para colocar esse
material nas lojas, mas não rolou…
Para
os fãs e colecionadores, existem várias edições bootlegs desse
material. Essa edição que tenho é tida como uma das que tem melhor
qualidade de som, mas não tive acesso à outros bootlegs para comparar e
afirmar com precisão. Esse CD que tenho foi prensado em 1997 e além de
trazer o material demo, trazia ainda versões ao vivo de “Leaving Las
Vegas”, “Can´t Cry Anymore” e “Happy” (canção dos Rolling Stones). A
capa foi extraída do single da “All I Wanna Do”. O cara não se dignou
nem em apagar o nome da musica da foto. A única mudança foi transformar a
imagem em preto e branco, como se fosse um xerox. Embora a produção
gráfica não seja animal, nem encarte tem, a qualidade de áudio é muito
boa. Quem é fã, vale a pena ter. Ele é conhecido pelo nome de The Unreleased Album.
Na contracapa vocês vão ver um pequeno texto indicando que o material
foi gravado em 1990. Não foi!, a capa está errada! É de 1992. Vocês vão
ralar um pouquinho para encontrar, desembolsar uma grana razoável (não
tenho idéia de quanto custe esse exemplar atualmente, mas normalmente um
CD bootleg costuma custar em torno de 70 a 100 reais, salvo raras
exceções), mas até que ela resolva colocá-lo nas lojas, é nossa única
alternativa.
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Capa do bootleg |
Tracklist (obedecendo a ordem original):
1. All Kinds of People
2. Father´s Son
3. What Does It Matter
4. Indian Summer
5. I Will Walk With You
6. Love You Blind
7. Near Me
8. When Love Is Over
9. You Want It All
10. Hundreds of Tears
11. The Last Time
12. Borrowed Time