Por Davi Pascale
A cantora soteropolitana Pitty
está de volta. Depois de um hiato de 5 anos, o ultimo grande nome da cena
brasileira retorna com seu projeto principal. As guitarras e baixo distorcidos
voltam à marcar presença junto com seu vocal gritado. Em seu novo trabalho, a
cantora toca em assuntos delicados como morte e sexo, sem perder seu estilo de
composição. Realizado durante periodo delicado, o grupo de Priscilla Novaes Leone volta cheio de gás.
Dentro da cena mainstream
brasileira, essa é a artista que considero como quem faz a diferença. É verdade
que no underground temos ótimos grupos, mas o que fica marcado na memória das
pessoas quase sempre são os trabalhos de grande expressão. Esse é um dos
motivos que me deixa extremamente preocupado com o rumo que o rock n´ roll anda
tomando. Não há quase nada para ser lembrado daqui alguns anos. De vez em quando,
surgem algumas exceções. Até agora, para mim, ela foi a ultima exceção.
Infelizmente, muitos ainda não se ligaram nisso. Muitos insistem em não levar
seu trabalho a sério por conta de ter uma grande influencia entre o publico jovem.
Ela pode ter bastante adolescente na platéia, mas seu trabalho não é
adolescente. Não se trata da versão brasileira da Demi Lovato. Aqui, o buraco é
e sempre foi mais embaixo.
Em Sete Vidas, Pitty traz algumas mudanças. A primeira é na formação.
O baixista Joe, para quem ainda não sabe, está fora da banda. Sua saída foi
tumultuada e envolveu processo judicial e tweets irônicos. Embora ninguém tenha
falado por A+B a causa do problema, tudo leva a crer, pelo andar da carruagem,
que a razão principal foi dinheiro. Uma surpresa e tanto. Na minha cabeça, quem
não agüentaria a pressão seria o Duda. A minha lógica é que uma vez que o rapaz
é ex-marido dela, talvez tivesse dificuldades em lidar com a nova realidade.
Achava que em algum momento ele explodiria. No entanto, com a saída de Joe, o
baterista se torna o único músico da formação original. Quem assume as quatro
cordas é Guilherme Almeida. Para quem não se recorda, o gaucho participava dos
shows do projeto Martin & Eduardo. Sendo assim, sua escolha era meio obvia.
Já era meio parte da família.
Outra mudança, em relação à formação, é a maneira como ela é apresentada. Antigamente, a cantora dizia que Pitty era
o nome da banda. Os músicos apareciam tanto nas fotos promocionais como nas
imagens do encarte quanto nos créditos do disco. Aqui, embora os 4 tenham
participado de todas as faixas, em baixo de cada nome de musica vêm a formação
que a gravou, não importando se há ou não participação especial. Os músicos não
aparecem no encarte também. Para mim, a mensagem é nítida. A banda não existe
mais. Agora, é sua carreira-solo. Acredito que tenha ficado traumatizada com os
rolos envolvendo o Joe Gomes. Bom, pelo menos, os caras continuam tendo espaço
para colaborarem nas composições.
Banda volta à ativa depois de encarar batalha judicial com ex-integrante |
Mais uma vez contando com a
produção de Rafael Ramos e lançando pela Deckdisc (ambos, parceiros dos tempos
de Admiravel Chip Novo), o projeto
contou com uma ajudinha de fora. Literalmente. Embora a gravação tenha ocorrido
no Brasil, o processo de mixagem e masterização ocorreu nos Estados Unidos. A
mixagem ficou por conta do britânico Tim Palmer que já chegou a trabalhar com
artistas do porte de U2, Ozzy Osbourne, Tears for Fears, além de ter trabalhado
no cultuado Ten, álbum de estréia do
Pearl Jam. A masterização ficou por conta de Ted Jensen. Em seu currículo, estão
trabalhos de grandes nomes como Paul McCartney, Alice In Chains, Bon Jovi,
Megadeth e Dream Theater.
Muitos têm tratado Sete Vidas como o retorno da Pitty ao
rock. Daí eu pergunto: como se retorna a algo do qual você nunca saiu? Chiaroscuro pode ter menos distorções
nas guitarras, mas ainda assim é um disco de rock. Aliás, é o álbum que tem
maior proximidade com o novo trabalho. Se por um lado, faixas como “Olho Calmo”
e “Boca Aberta” nos remetem um pouco à Anacrônico, de outro, faixas como “Deixa
Ela Entrar”, “Pequena Morte” e “Um Leão” poderiam estar facilmente no play de 2009. As guitarras podem estar com mais volume, mas são os mesmos tipos de arranjos. As letras também seguem um
pouco a lógica daquele material. Contando mais uma vez com temáticas mais obscuras
e metaforas.
“Lado de Lá” é uma das mais
tocantes. Em (Des)Concerto, a musa
dos jovens roqueiros, entrou em uma polêmica com a faixa de trabalho “Pulsos”,
onde ela foi acusada de incentivar o suicídio. O tema retorna na quinta faixa
de seu novo trabalho. Dessa vez, tendo como inspiração a morte de seu ex-guitarrista Peu Sousa. A música retrata a dificuldade da
artista para lidar com a situação. Um verso que deixa isso explicito é: “o imenso silencio que atravessou o domingo
de sol/ e eu chovi sem parar”. Chovi, certamente se refere às lágrimas em seu
rosto ao saber da noticia. O refrão indaga o porquê do ato. “Pra quê essa
pressa de embarcar na jangada que leva pro lado de lá”.
“Olho Calmo” me soa como uma
resposta à seu ex-baixista. Frases como “Nem esperava que essa hora ia chegar”,
“o traquejo de esperar a hora certa de esbravejar” e “do cão que nem ladra
mais, só morde” cabem bem à situação. Curiosamente, é a única faixa assinada
pelos 4 integrantes da banda. Essa idéia de lidar e vencer dificuldades é
temática recorrente no disco. Logo na faixa de abertura, “Pouco”, já escutamos
depoimentos como “sigo tentando sair do fundo. Nado, não quero morrer”. Essa
musica, aliás, traz de volta os vocais gritados de Pitty. Algo que ela já havia
feito em faixas como “No Escuro” e “De Você”.
Morte de Peu Sousa inspirou "Lado de Lá" |
Entretanto, há momentos menos tensos, mais relacionados à desejos, principalmente sexuais. Em “Um Leão” provoca a imaginação dos garotos com o verso “escute bem
o que vou propor/ nós a sós no elevador / use bem meu despudor/ sou harém ao
seu dispor”. O erotismo também está presente na já citada "Pequena Morte". Algumas vezes, com versos bem diretos, inclusive. "De repente a gente nessa dança muito doida/ Rolando, suando, nunca para de pulsar/ Lá se vão horas, ninguém conta mais o tempo/ O arrebatamento não demora a chegar". Para quem gosta de dizer que não quer ser mais uma gostosinha no
pedaço, esse é um terreno perigoso.
“Massa” é outra que foge do território comum. A cantora escreveu uma letra critica utilizando o termo massa como se fosse de uma receita. Uma curiosidade interessante é que na época de ditadura militar no Brasil, os jornalistas postavam receita de bolo para demonstrarem que estavam sendo censurados. Já vi algumas pessoas associando essa letra com temática política, mas acredito que aqui a história seja outra. Posso até estar errado, mas a minha teoria é de que esteja voltada aos ataques que sofre pelas redes sociais e fóruns, quase sempre criados em cima de achismos ou então em cima de meias-verdades e que mesmo assim, causam fúrias em diversos de seus admiradores. Seria de certa forma, uma censura da sua liberdade (uma vez que está sempre sendo vigiada) e também uma censura do ato de pensar (uma vez que várias pessoas passam a acreditar naquilo cegamente, depois que tais deduções começam a se repetir como se fossem mantras. Lembre-se, toda história tem dois lados). Letra bem inteligente. Em termos de arranjo, a que causará maior estranheza é a faixa “Serpente” que conta com uma forte influencia de musica africana. Influencia cada vez mais comum na musica baiana e cada vez mais incomum no rock n´roll. Atitude, no mínimo, corajosa.
“Massa” é outra que foge do território comum. A cantora escreveu uma letra critica utilizando o termo massa como se fosse de uma receita. Uma curiosidade interessante é que na época de ditadura militar no Brasil, os jornalistas postavam receita de bolo para demonstrarem que estavam sendo censurados. Já vi algumas pessoas associando essa letra com temática política, mas acredito que aqui a história seja outra. Posso até estar errado, mas a minha teoria é de que esteja voltada aos ataques que sofre pelas redes sociais e fóruns, quase sempre criados em cima de achismos ou então em cima de meias-verdades e que mesmo assim, causam fúrias em diversos de seus admiradores. Seria de certa forma, uma censura da sua liberdade (uma vez que está sempre sendo vigiada) e também uma censura do ato de pensar (uma vez que várias pessoas passam a acreditar naquilo cegamente, depois que tais deduções começam a se repetir como se fossem mantras. Lembre-se, toda história tem dois lados). Letra bem inteligente. Em termos de arranjo, a que causará maior estranheza é a faixa “Serpente” que conta com uma forte influencia de musica africana. Influencia cada vez mais comum na musica baiana e cada vez mais incomum no rock n´roll. Atitude, no mínimo, corajosa.
Sete Vidas foge do senso comum da atual cena roqueira mainstream
brasileira. É um trabalho inteligente, bem arranjado, bem produzido, bem
gravado, bem cantado e bem tocado (aliás, vale lembrar que os músicos gravaram tocando ao
vivo dentro do estúdio). Trabalho onde a artista resgata velhos elementos e
acrescenta novos ingredientes. Só torço para que não demore mais 5 anos para lançar um novo disco.
Nota: 8,0/10,0
Status: Reflexivo
Faixas:
01) Pouco
02) Deixa
Ela Entrar
03) Pequena
Morte
04) Um
Leão
05) Lado
de Lá
06) Olho
Calmo
07) Boca
Aberta
08) A
Massa
09) Sete
Vidas
10) Serpente