terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Cazuza – Atitude e Idealismo




Por Davi Pascale

Caso estivesse vivo, Cazuza teria completado 55 anos agora em 2013. Essa foi a razão dos shows em homenagem à ele, da exposição que realizaram etc etc. Infelizmente não há como negar que o cara faz falta. As pessoas podem até torcerem o nariz, dizer que ele gravava na gravadora do pai, que era mimado... Digam o que quiserem, mas o rapaz era um grande artista. Bom letrista, boa presença de palco, absurdamente carismático. A verdade é que não tem nenhum artista do cenário atual que chegue aos seus pés. Tanto que vira e mexe, regravam suas músicas.


Nascido com o nome de Agenor de Miranda Araujo Neto, não simpatizava com seu nome. Só passou a aceitá-lo melhor depois que descobriu que o sambista Cartola, músico de quem era fã, tinha o mesmo nome. A admiração pelo sambista chegou até a render uma discussão com o amigo e músico Roberto Frejat. Cazuza queria inovar, fazer algo diferente e sugeriu que fizessem uma versão de uma música do Cartola. Frejat via o Barão Vermelho como um grupo de rock n roll com base no blues e se negou a fazer isso, alegando que Barão tocava rock, não tocava samba. O tempo faria o guitarrista engolir suas palavras, já que na década de 90, chegaram a gravar Bezerra da Silva no disco Álbum. Cazuza deve ter gargalhado no túmulo. Afinal foi ele quem sempre disse ‘não existe música certa e errada. O que existe é música boa e música ruim’.


Outra atitude do menino Agenor que foi criticada por Roberto Frejat e depois copiada pelo mesmo, foi o fato de largar a banda para se dedicar à uma carreira solo. Cazuza não queria ficar preso ao rotulo rock, queria ser livre para experimentar. Frejat dizia ‘não precisa largar a banda, faz em paralelo’. E hoje veja o que aconteceu. Não apenas ele se focou como cantor solo, como quando se reúne com o seu antigo grupo, sobe ao palco com o nome de Roberto Frejat + Barão Vermelho, que nem aconteceu no Rock in Rio desse ano. Se eu tocasse no Barão, largava ele sozinho no palco para deixar de ser estrelinha. Frejat é um excelente músico, é um excelente compositor, mas está deixando o ego subir à sua cabeça...

Cazuza e Frejat divergiam em relação à sonoridade do Barão

Agora... verdade seja dita. Cazuza era uma pessoa difícil de se lidar. O fato de ter contraído HIV, que naquele tempo era morte certa, fez com que ele se tornasse uma pessoa arrogante. Não era raro interromper uma apresentação do nada, responder atravessado para um repórter. Levava uma vida boêmia, abusava de álcool, drogas, cigarros. Definitivamente, não era o santo que pintam por aí.


Há algumas de suas atitudes, por outro lado, que considero louváveis. Como o fato de se preocupar em terminar a gravação de um disco, mesmo sabendo que já estava com o pé na cova, como foi o caso de “Burguesia”. Aquela voz fraquinha que você escuta ali, não era pouco caso. Pelo contrario, era o pouco que restava de sua voz. Dizem, inclusive, que algumas faixas desse trabalho ele gravou deitado porque não tinha mais forças para ficar em pé. 


Outra atitude que achei legal e que muita gente criticou (assim como muitos me criticam por dizer que não concordo com os ataques em cima dele) foi o protesto que ele fez contra o país cuspindo na bandeira nacional em um de seus shows. A imprensa, que deveria explicar o ato do rapaz, limitou-se a atacá-lo pelo fato de ele estar desrespeitando o símbolo de uma nação. Não está errado, mas deveriam ter aproveitado a ocasião e explicado seu ato que, na verdade, era um protesto contra a situação política do país. Na semana daquela apresentação, a inflação monetária era a maior da história chegando a 900%, sem contar nas denuncias de assassinato do Chico Mendes que deixou não apenas o artista, mas todo o povo brasileiro triste. O que Cazuza estava demonstrando era indignação com tudo aquilo que estava ocorrendo. Era como se ele dissesse que, naquele momento, tinha vergonha de ser brasileiro. 

Cantor não mediu esforços para terminar seu último álbum!
 
O ato pode ter sido exagerado, mas o protesto era valido. Principalmente, por seu uma pessoa pública e influente. O cantor chegou, inclusive, à escrever uma carta que seu pai, o já falecido João Araujo, fez questão de proibir sua publicação. Sua mãe, Lucinha Araujo, chegou a publicá-la no livro Só As Mães São Felizes, anos mais tarde. De boa, deveriam ter publicado na época! 


"Está havendo uma polêmica, um escândalo, como diz o JB de terça-feira, 18 de outubro, com o fato de eu ter cuspido na bandeira brasileira durante a música Brasil no meu show de domingo no Canecão. Eu realmente cuspi na bandeira, e duas vezes. Não me arrependo. Sabia muito bem o que estava fazendo, depois que um ufanista me jogou a bandeira da platéia. O senhor Humberto Saad declarou que eu não entendo o que é a bandeira brasileira, que ela não simboliza o poder, mas a nossa história. Tudo bem, eu cuspo nessa história triste e patética. Os jovens americanos queimavam sua bandeira em protesto contra a guerra do Vietnã, queimavam a bandeira de um país onde todos têm as mesmas oportunidades, onde não há impunidade e um presidente é deposto pelo simples fato de ter escondido alguma coisa do povo. Será que as pessoas não têm consciência de que o Vietnã é logo ali, na Amazônia, que as crianças índias são bombardeadas e assassinadas com os mesmos olhos puxados? Que a África do Sul é aqui, nesse apartheid disfarçado em democracia, onde mais de cinqüenta milhões de pessoas vivem à margem da Ordem e Progresso, analfabetos e famintos? Eu sei muito bem o que é a bandeira do Brasil, me enrolei nela no Rock'n'Rio junto com uma multidão que acreditava que esse país podia realmente mudar.A bandeira de um país é o símbolo da nacionalidade para um povo.Vamos amá-la e respeitá-la no dia em que o que está escrito nela for uma realidade. Por enquanto, estamos esperando".


É... Como disse, o cara faz falta. Imagina o que ele não faria com todas essas manifestações ocorrendo no país? E, claro, imagina o que ele não faria em seus discos com a tecnologia que temos hoje, sem ter o medo de ousar, de experimentar?