domingo, 8 de março de 2015

Rita Lee - A Marca da Zorra (1995):



Por Davi Pascale

Hoje é o dia internacional da mulher. Ano passado fizemos uma semana inteira comemorando a data. Dessa vez, faremos um único post. Até para não saturar o tema, já que queremos encher a paciência de vocês por muitos anos ainda. Não foram poucas as vezes que o rock foi considerado machista, mas isso é uma bobagem tão grande quanto considera-lo satanista ou música de drogado. São termos associados quase sempre à uma má interpretação de algum fato ou por algum preconceito desenvolvido em cima do slogan sexo, drogas e rock n´ roll. Se existe uma artista que deitou e rolou com tudo isso é a cantora Rita Lee.

Muitos gostam de diminuí-la dizendo que seu som não é rock. Que é uma artista pop ou, até mesmo, MPB. É bom lembrar a moçada que espalha essa barbaridade por aí que antes de se lançar como artista solo, Rita passou por, ao menos, dois grupos que atingem o status de clássicos: Mutantes e Tutti-Frutti. E que, em ambos, deixou sua força mais do que comprovada. Pois nenhuma das duas bandas foram capazes de sobreviver sem ela. O grupo do icônico Luís Carlini chegou a gravar um LP sem Rita. Ninguém viu, ninguém ouviu... Os Mutantes depois de a expulsarem do conjunto entraram em um declínio de popularidade e criatividade como nunca visto antes. O resultado? O fim depois de dois LP´s fracassados. Rita, por outro lado, construiu uma carreira sólida que é digna de respeito até hoje.

Os mais rebeldes irão querer defender à unhas e dentes o ótimo grupo de Sérgio Dias e Arnaldo Baptista dizendo que são ótimos músicos, que possuem reconhecimento internacional, que são gênios e que foram fiéis ao rock. Ora, me poupe. Os caras realmente são gênios, realmente são excelentes músicos, mas o Mutantes é reconhecido por seus primeiros trabalhos e não pela fase que eles queriam copiar o Yes e nem por seus discos atuais. Os discos não são ruins, mas não tinham mais a criatividade, o deboche, a ironia dos LP´s gravados na fase da Rita (se bem que esse último deles, não tive a oportunidade de ouvir ainda). Não há como negar que sua saída teve um grande impacto. Quanto à história de rock, MPB, pop... Qualquer que seja seu gênero, se você quiser fazer algo genuinamente brasileiro, em alguns momentos você irá esbarrar com alguma influência tupiniquim. Oras mais descarada, oras menos descarada. Afinal, o rock não nasceu no Brasil, certo? E, em muitos momentos, a cantora conseguiu fazer trabalhos que nem mesmo o maior hater conseguiria diminuí-lo. Caso do disco homenageado de hoje.

Apresentação contava com tom teatral

A Marca da Zorra trouxe várias das velhas característica de volta. Depois de fazer um trabalho cruzando rock n roll com bossa nova (o Bossa n´ Roll), Rita Lee Jones resolveu retornar ao rock básico. Para sua banda, trouxe o baterista Paulo Zinner (Golpe de Estado), Lee Macucci (Herva Doce) para o contrabaixo, os teclados ficaram por conta de Fábio Recco (Mutantes, nova formação), Ronaldo Paschoa (Guilherme Arantes, Tutti-Frutti) assumiu a segunda guitarra e sua irmã Virgina Lee ficou responsável pelos backing vocals. Claro que não poderia faltar seu marido Roberto de Carvalho atacando como guitarrista principal e diretor musical.

Aquele rock sujo e gostoso de ouvir, como gostam de escrever o pessoal mais das antigas, é a tônica desse espetáculo. No repertório, vários sons dos seus primeiros trabalhos solo, além de algumas releituras dos seus tempos de Mutantes (“Ando Meio Desligado”) e Tutti-Frutti (“Jardins da Babilônia”, “Miss Brasil 2000” e “Mamãe Natureza”). Guitarra no volume certo, baixo bem presente e vocal extremamente nítido. Certamente, dentre todos os registros ao vivo, lançados pela cantora, esse é meu favorito. Em “Papai Me Empresta o Carro”, Roberto de Carvalho assume os vocais. Paulo Zinner brilha em um solo de bateria realizado dentro de “On The Rocks”. Rita continua com seu estilo habitual de sempre. Sem fazer malabarismos, mas sempre muito afinada.

Nessa tour, não faltaram polêmicas. A começar, o espetáculo (que era bem diferente do especial exibido pela Globo levando o mesmo nome) contava com um tom teatral envolvendo inúmeras trocas de roupa. Não demorou muito e iniciaram as comparações com a gira de Babilônia (1978). A apresentação envolvia ilusionismos e mulheres nuas. É óbvio que o fato de ter uma mulher nua no palco causa um estardalhaço na imprensa. Outro estardalhaço seria causado antes mesmo da gravação do disco ao vivo. Mais especificamente no Hollywood Rock de 1995, quando a cantora dividiu o palco com os Rolling Stones. Acontece que a primeira noite em SP, a qual eu estava presente, ela não apareceu. A notícia foi dada de última hora, causando decepção em boa parte da plateia e gerando algumas vaias, inclusive. No dia, foi anunciado que ela não estava se sentindo bem. No dia seguinte, foi anunciado por parte da imprensa que a artista havia sofrido uma overdose no camarim, minutos antes do show e havia sido encaminhada para o hospital.

Espetáculo foi sucesso de critica e publico

Apesar das polêmicas, a turnê foi sucesso de crítica e público. O que levou a Rede Globo a criar um especial televisivo de mesmo nome, como já citado anteriormente. Porém, com um enfoque totalmente distinto. Utilizando a desculpa de 30 anos de rock brasileiro, vários artistas juntaram-se à cantora para a gravação do especial e as encenações ganharam novos temas. Entre os artistas convidados estavam Fernanda Abreu, Planet Hemp, Raimundos, Marisa Monte, Pato Fu e Barão Vermelho. Eram intercalados clipes, entrevistas com alguns momentos do show, além dos duetos. Claro que as cenas polêmicas ficaram de fora.

É verdade que Rita durante sua carreira solo cruzou seu som, sim, com MPB e com música Pop. Mas, nunca deixou de ser uma artista de rock. Em uma carreira regada à drogas, álcool e prisões (a primeira ocorrida em 1976 por porte de maconha), sempre passou por cima de rótulos, sempre se preocupou em escrever letras com conteúdo. O espetáculo A Marca da Zorra serve como demonstração de seu legado. Das 14 músicas gravadas, ao menos 12 são considerados clássicos de sua trajetória. Álbum recomendado até mesmo para aqueles que dizem gostar de uma ou outra coisa da cantora...

Nota: 9,0 / 10,0
Staus: clásssico

Faixas:
01)   A Marca da Zorra
02)   Nem Luxo Nem Lixo
03)   Dançar Pra Não Dançar
04)   Jardins da Babilônia
05)   Ando Meio Desligado
06)   Vítima
07)   Todas as Mulheres do Mundo
08)   Papai Me Empresta o Carro
09)   Atlântida
10)   Mamãe Natureza
11)   Ovelha Negra
12)   Miss Brasil 2000
13)   On The Rocks
14)   Orra Meu