domingo, 27 de julho de 2014

Parental Advisory: censura disfarçada





Por Davi Pascale

Bom... Vocês devem se lembrar de quando escrevi o artigo comentando sobre a canção “Suicide Solution” do Ozzy Osbourne onde o cantor foi atacado de incentivar o suicídio de um jovem, certo? Então vocês devem se lembrar também do meu comentário sobre artistas de rock serem constantemente perseguidos. De todos os ataques que os músicos sofreram, com certeza, esse foi o maior de todos.

O rock n roll sempre foi mal visto pela sociedade. Portanto, não é nenhum espanto que quando ele se tornou moda nos Estados Unidos na década de 80 (sim, o Brasil não foi o único país a ter seu momento roqueiro nessa época), ele voltou a ser atacado. Sim, voltou. Logo no inicio, as igrejas acusavam o rock de despertar interesse sexual na juventude e perseguiam os músicos por isso. Jerry Lee Lewis e Elvis Presley foram atacados nesse sentido. Não sei se vocês sabem, mas o rei do rock foi proibido de ser filmado da cintura para baixo nos programas de televisão porque sua dança era considerada obscena.

Estados Unidos, o berço do rock, é um país com forte base religiosa. E foi por isso que o depoimento de John Lennon causou tanto estardalhaço (o depoimento foi feito para uma publicação inglesa, mas somente se transformou em um circo após começar a aparecer estampado nas publicações norte-americanas). E, para dizer a verdade, o cantor foi mal-interpretado. As pessoas costumam citar o caso como se ele estivesse se achando superior à Jesus, mas na verdade, estava dizendo apenas que o interesse dos jovens pelo cristianismo não era mais o mesmo. Até fez uma brincadeira na ocasião: “Não sei o que irá desaparecer antes: o rock ou o cristianismo”. A resposta foi tão exagerada que chegaram, inclusive, a queimar discos dos Beatles em praça publica em forma de protesto. Isso para não citar o Kiss, onde um grupo de mães evangélicas inventou que o nome da banda significava Knights In Satan´s Service, na tentativa de impedir um concerto que fariam na cidade.

Tipper Gore queria controlar o que as crianças ouviam

Em 1985, foi a vez de Tipper Gore (esposa do vice-presidente Al Gore) se colocar contra o gênero. Tipper, formada em psicologia, lutava contra as imagens de violência que eram expostas para as crianças na mídia. E eis que ela resolveu expandir sua luta até a música, com a ajuda das esposas de alguns senadores. Exigiam que discos com conteudos sobre drogas, ocultismo, sexo e que tivesse mensagens satanicas quando rodados ao contrario (lembram-se da história de Ozzy), fossem banidos do mercado. Como o rock n roll era a febre do momento, não precisa ser um grande gênio para descobrir quem foi o alvo principal. No filme de 2002, Warning: Parental Advisory, a moça comenta: “resolvi me envolver porque vi os tipos de letras de rock que meus filhos estavam sendo expostos. Fiquei chocada. Falavam sobre masturbação, sexo oral...” 

Com grande influencia política, a garota conseguiu travar uma guerra contra as gravadoras. Nas reuniões, sugeriu que os discos tivessem classificações como acontece com os filmes ou ainda que viessem com as letras expostas nas capas dos LP´s. Os executivos explicaram que essas praticas não eram possíveis. Eram milhares de musicas que recebiam por mês, não tinham como analisar a letra de cada uma delas detalhadamente. E quanto às letras na capa, envolvia questão de direitos autorais dos compositores, não poderiam serem expostas em todo lugar. O controle era pesado. Queriam banir qualquer coisa que estivesse contra os ditos bons costumes. Até artistas inofensivos como Michael Jackson e Peter, Paul & Mary correram o risco de serem banidos.

Os músicos travaram uma batalha contra. Sentiam-se censurados. “Músicos, bandas e compositores mudarem suas palavras para que pudessem ter seu LP vendido no supermercado? O que é isso?”, questionava Rob Halford (vocalista do Judas Priest). Os músicos Frank Zappa, John Denver e Dee Snider (cantor do Twisted Sister) compraram a briga e resolveram bater de frente com Gore e a turma do PRMC. Além de se sentirem censurados, sentiam seu futuro ameaçado. “Queriam colocar um adesivo nas capas para impedirem que o disco chegasse às lojas”, afirmava Dee Snider. Zappa concordava com ele. Os músicos foram discutir a questão em um tribunal para defender a liberdade de expressão e mostrar como tudo era exagerado. “Tudo isso que é dito nas letras, é demonstrado na CBS News de manhã, o que é mais prejudicial?”, disse Zappa. O cantor do Twisted Sister foi mais além. “A senhora Gore disse que “Under The Blade” fala sobre sadomasoquismo, estupro... Pelo contrário, fala sobre cirurgia e sobre o medo que ela causa nas pessoas. Afirmo categoricamente, que se enxerga outra coisa é obra de sua mente”. Varias bandas foram atacadas na ocasião: Judas Priest, W.A.S.P. e, mais uma vez, Kiss eram atacados por suas letras de conteúdo sexuais. 

Dee Snider foi um dos músicos que deu a cara para bater
 
A solução para que os discos pudessem continuar sendo circulados foi a criação do selo Parental Advisory que servia como um alerta aos pais. Uma demonstração de que ali haveria conteúdo falando sobre drogas, sexo e violência. Diziam que não havia censura, mas a orientação era de que os discos com esse selo não poderiam ser vendidos à menores de 18 anos.  Claro que os lojistas não levaram isso à sério. Caso contrário, suas vendas cairiam significativamente. O controle, alías, é tão mal feito que o disco instrumental de Frank Zappa, Jazz From Hell, recebeu o adesivo.

Durante os anos, artistas norte-americanos tiveram capas censuradas (o Rafael fez um post recentemente aqui comentado sobre discos com capas alternativas), clipes e shows com áudio cortado nos palavrões, artistas foram proibidos de se apresentarem no pais por declararem que não concordavam com as atitudes de seu governo (o grupo country Dixie Chics sofreu com isso). No Brasil, já tivemos algo parecido por aqui com LPs com dizeres estampados na capa alertando que era proibida a venda para menores de 18 anos, buzina nas rádios, vinil sendo recolhido e tendo faixa riscada para que o consumidor não ouvisse a musica etc. Com essa onda de politicamente correto, torço para que essa palhaçada não volte.