Por Davi Pascale
Em 7 de Julho de 1990, Agenor de
Miranda Araujo Neto, morria vitima da Aids. Mais conhecido como Cazuza, o rapaz
conquistou o Brasil com suas letras poéticas, sua atitude debochada e suas
falas polêmicas. Já escrevemos um texto falando um pouco sobre o rapaz aqui no
blog, portanto, não escreverei sobre sua carreira e sim, sobre seu primeiro
álbum solo, Exagerado.
Cazuza abandonou o Barão Vermelho
quando estavam no auge do sucesso. Depois de dois discos mal sucedidos, o grupo
carioca finalmente havia conquistado o grande publico impulsionados pela canção “Bete
Balanço” – trilha do filme homônimo – e pela apresentação no Rock In Rio I, em
1985. O cantor optou pela saída logo após receberem seu primeiro disco de ouro
e um dia antes de renovaram o contrato para seu quarto álbum. Engana-se quem
acredita que o pessoal passou a mão na cabeça dele desde o inicio. O rapaz foi
muito criticado, inclusive por seus colegas de banda que se sentiam traídos e
inseguros.
O produtor Ezequiel Neves –
parceiro do cantor, não apenas no trabalho musical, mas também em suas loucuras
– foi o único que apoiou o rapaz desde o inicio, ainda que deixasse claro que
não tomaria partido. Gostava da banda e não deixaria de trabalhar com um para
trabalhar com outro. Ezequiel continuou do lado tanto do Barão quanto do
Cazuza. Para não prejudicar ainda mais o grupo – sua saída já era um choque
grande, já que ele era visto como integrante principal pela imprensa – optou por
dividir o repertorio do álbum em dois. 5 músicas para o Barão e 5 para sua
estréia solo.
Metade do seu primeiro disco seria de Declare Guerra |
Nesse mesmo ano, aos 27
anos de idade, fez seu primeiro teste HIV. Cazuza tinha medo que pudesse ter contraído
a doença. Quem pediu o teste na ocasião, inclusive, foi o próprio cantor. O
garoto ficou 11 dias internado no Hospital São Lucas em Copacabana. Estava
ficando com febre frequentemente e quando foi internado, segundo sua mãe
Lucinha Araujo conta no livro Só As Mães
São Felizes, sua febre já havia passado de 40 e estava tendo crises de
convulsões incontroláveis. Na ocasião, foi diagnosticado com Streptococus Viridans, um vírus que se
instala nos pulmões. A idéia de ter algo mais não saía de sua cabeça. Esse
exame, contudo, deu negativo.
Foi durante esse temporada que
nasceu a canção “Codinome Beija-Flor”, inspirada pelos beija-flores que voavam
no jardim do hospital. A faixa-título, “Exagerado”, a mais marcante desse período, era uma parceria do cantor
com Leoni (Kid Abelha), e foi uma das que saíram a seu favor na divisão de repertório.
Muitos acreditavam que a faixa era sobre si próprio, mas na verdade ela foi
composta em homenagem à Ezequiel Neves, o famoso Zeca.
Uma das razões que fez com que
optasse sair do conjunto era a falta de liberdade criativa. Embora tivesse um
bom relacionamento com os músicos, em especial o guitarrista Frejat, o cantor
ficava incomodado com o fato de não poder ir além do rock e do blues. Queria
experimentar novos horizontes, novas linguagens. No seu debut solo, já se
notava isso. Em especial, na já citada “Codinome Beija-Flor”, uma balada com
arranjo orquestrado e extremamente sutil. Algo que nunca poderia fazer com o
Barão. O LP também trazia uma sonoridade mais magra, afastando-o de vez da
influencia blues rock do Barão Vermelho e o aproximando cada vez mais da
linguagem pop rock. Outro grande destaque é a balada "Mal Nenhum", parceria com o músico Lobão, que já havia sido apresentada ao grande público no já citado Rock in Rio.
O disco, produzido pelo cantor e
compositor Nico Rezende (Ezequiel produziu o Declare Guerra do Barão, mas ajudou o Cazuza a compor o material do
seu LP), chegou às lojas em 15 de Novembro de 1985. Foi seu ultimo lançamento pela
Som Livre que, na ocasião, havia mudado sua filosofia e decidiu encerrar seu
cast. Só Se For a Dois, seu álbum
seguinte, seria lançado pela Polygram. Voltando
à sua estréia solo, o LP trouxe polêmica com a música “Só As Mães São Felizes”.
Na letra, dava uma de Jim Morrison questionando “quem nunca quis matar o seu
pai ou comer a sua mãe”. Em entrevista ao Jornal da Bahia, em Fevereiro de 1986,
explicou que a musica nasceu a partir de um verso de Jack Kerouac. “É uma
homenagem à todos os poetas malditos. As pessoas que, de certa forma, vivem o
lado escuro da vida. Gente que barbariza, que é santo e demônio ao mesmo tempo”.
Ezequiel Neves e Cazuza morreram com uma diferença exata de 20 anos |
As frases não saíam da cabeça dos
repórteres, que insistiam na pergunta como se Cazuza, no fundo, realmente
desejasse aquilo. Em outubro de 1987, o Jornal do Brasil fez uma nova matéria com
o cantor , que já estava de saco cheio do assunto e resolveu ser irônico. “Gostaria
de transar com minha mãe e meu pai também. Eles são muitos gostosos. Mas eu
gosto mesmo é de broto, eles estão passados”. Lucinha foi quem ficou mais
chocada com a resposta, depois explicada pelo filho. Segundo Cazuza, a pergunta
era tão ridícula que não merecia uma resposta séria.
Seu primeiro show solo ocorreu em
17 de Janeiro de 1986 no Morro da Urca (Rio de Janeiro). O cantor ainda não
estava com HIV. Sua performance
ainda era semelhante à de seu tempos do Barão. Pulava, dançava, esbanjava
energia. Sua alegria, contudo, não duraria muito. Em 26 de Abril de 1987, quando estava prestes
a fazer sua estréia no Teatro Ipanema para divulgar seu segundo LP Só Se For A Dois, o médico Abdon Issa
deu o recado aos pais do cantor: Cazuza estava com Aids. Se hoje, a pessoa que
tem a doença não se cura, mas vive com a mesma. Naquela época, contraí-la
significava morte certa. Por ironia do destino, em 7 de Julho de 2010, 20 anos
após sua morte, morria Ezequiel Neves, vitima de um câncer no cérebro. Cazuza, se foi, mas sua obra continua influenciando milhares de pessoas. Nesse exato momento, temos uma peça teatral com o nome de "Pro Dia Nascer Feliz, o Musical" correndo todo o país. Homenagem, certamente, mais do que merecida.
Faixas:
01) Exagerado
02) Medieval II
03) Cumplice
04) Mal Nenhum
05) Balada de um Louco
06) Codinome Beija-Flor
07) Desastre Mental
08) Boa Vida
09) Só As Mães São Felizes
10) Rock da Descerebração