sábado, 25 de outubro de 2014

Kiss – 40 Anos de Hotter Than Hell



Por Davi Pascale

Nos anos 70, acontecia algo que não existe mais. As gravadoras acreditavam nos artistas. Depois de fracassar em seu debut, o grupo apostava em um segundo álbum de inéditas lançado no mesmo ano, 1974. Com um repertório igualmente brilhante, o disco deixava a desejar na mixagem final. Embora traga várias músicas memoráveis, ainda não seria dessa vez que alcançariam o estrelato.

Ainda discute-se o que teria influenciado para que o material não atingisse a sonoridade que os músicos almejavam. É fato que os músicos não estavam à vontade na gravação.  O álbum foi gravado em Los Angeles, o que não agradava a banda que gostaria de ter gravado na sua cidade natal, Nova Iorque. Gene Simmons não sabia dirigir, Paul Stanley havia tido sua guitarra roubada, assim que chegou na cidade. No entanto, os produtores do álbum, Kenny Kerner e  Richie Wise, haviam se mudado para L.A. Muitos culpam a escolha dos produtores, mas não faz muito sentido. Afinal, foi a mesma dupla responsável pelo trabalho de estréia. Existe apenas um fator que ninguém questiona. Havia uma tentativa de reproduzir o som que tiravam nos palcos. A banda era considerada mais pesada ao vivo do que em disco. Talvez isso tenha influenciado em uma sonoridade com menos brilho.  Vamos combinar que a aparelhagem dessa época tinha menos recursos do que os atuais...

Os arranjos seguiam a mesma logica do primeiro LP. "Watchin´ You", inclusive, fazia parte da demo do primeiro álbum, gravada pelo lendário Eddie Kramer. Para compor o material do novo projeto, Paul Stanley se dedicou a escrever novas canções. Gene Simmons resolveu revisitar velhas musicas de seu catalogo que não haviam sido aproveitadas ainda. Ambos pressionavam Ace Frehley para que apresentasse alguma faixa. O spaceman trouxe duas: "Parasite" e "Strange Ways".  Fora essas, ainda havia uma curiosa parceria entre Frehley e Stanley em "Comin´Home".

"Strange Ways", inclusive, tem um relato interessante. O baterista Peter Criss que sempre reclamou de falta de autonomia, teve a oportunidade de gravar a bateria dessa faixa e de "Mainline", sem a supervisão da dupla Stanley/Simmons. Mas como nem tudo são rosas, a faixa em questão apresentava um solo de bateria no final da música que não agradava o resto da banda, e assim que Criss virou as costas, Paul e Gene pediram para que os produtores apagassem o tal solo. "Todos nós sabíamos que o solo era terrível, então pedimos para que cortassem sem que Peter soubesse", afirma Starchild no livro Kisstory. Os musicos haviam tentado conversar com Peter, que ameaçava a abandonar o grupo caso cortassem o solo e caso não pudesse cantar em uma musica escrita por Stanley ou por Simmons. Os  músicos deram uma canção a ele, "Mainline", mas cortaram o solo. Aquela não era a primeira, nem seria a última vez que catman ameaçava o grupo com chantagem para tentar conseguir algo que desejava. "Strange Ways" também foi cantada por Peter. Ace Fehley não se sentia confiante para gravar o vocal e pediu para que Criss o fizesse. Existe uma versão demo cantada por Gene, mas por algum motivo a versão aprovada foi a de Peter Criss.

Faixa-titulo foi inspirada em uma canção do Free


A faixa-titulo foi composta por Paul Stanley, inspirada na música "All Right Now", conforme o mesmo reconheceu em entrevista à Guitar World. "Sempre fui um grande fã do Free. 'All Right Now' tem um significado especial para mim. Considero uma musica perfeita. 'Hotter Than Hell' era basicamente eu tentando reescrevê-la". Gene trouxe "Goin´Blind", uma parceria sua com Steve Coronel, pré Wicked Lester. Stanley deu seus pitacos e acrescentou a frase "I´am a 93 and you´re sixteen" (Eu tenho 93 anos e você, dezesseis). A versão original chamava-se "Little Lady" e sua linha de baixo foi inspirada em uma canção do Mountain. "Let Me  Go, Rock n´ Roll" é outra que teve seu titulo original modificado. Inicialmente chamava-se "Baby, Let Me Go" e já vinha sendo apresentada nos concertos antes da gravação.

Inicialmente, o LP também teria outro nome: The Harder They Come. Entretanto, mudaram de ideia, assim que descobriram que Jimmy Cliff havia lançado um disco com o mesmo nome dois anos antes. A capa traz uma curiosidade. Quem prestar atenção notará que Ace Frehley não está com o rosto tão nitido quanto os demais. Isso não foi um erro, foi proposital. Frehley havia se envolvido em um acidente de carro, assim que chegou em Los Angeles para gravar o disco. O musico teve a infeliz ideia de descer uma colina em alta velocidade. O acidente o deixou com o rosto desfigurado. Resolveram, então, esconder metade do seu rosto, para que seus fãs não notassem o machucado. Em um determinado momento, o fotografo Normal Seef resolveu fazer uma festa para descontrair o ambiente. Colocou toneladas de álcool e garotas à disposição dos músicos. Essa foi uma das poucas vezes em que Paul ficou bêbado, a ponto de ser trancado dentro do carro para que não cometesse algo que pudesse se arrepender depois. Foi dessa festinha, regada à alcool e sexo, que nasceram as fotos da contracapa.

O primeiro álbum havia fracassado. Por conta disso, criou-se uma tentativa de vender a idéia que a banda havia conquistado popularidade no Japão - que era falsa - para ver se despertava um maior interesse no publico norte-americano. Também era um forma de homenagear os pais do teatro Kabuki, inspiração para a criação das máscaras do Kiss. Por conta disso, a capa trazia dizeres em japonês e o polemico simbolo chikara. O simbolo que muita gente associa, erroneamente, ao nazismo significa poder. "Na verdade, a origem desse simbolo é chinesa, mas é muito popular no Japão", declara Stanley ao kissonline.com Infelizmente, a manobra não deu certo e o Kiss só viria a atingir o estrelato no Alive! Deixaremos isso para o futuro.

Faixas:
01) Got to Choose
02) Parasite
03) Goin´ Blind
04) Hotter Than Hell
05) Let Me Go Rock n´ Roll
06) All The Way
07) Watchin´ You
08) Mainline
09) Comin´ Home
10) Strange Ways