terça-feira, 14 de julho de 2015

Menos Sertanejo, Mais Lobão



Por Davi Pascale

E mais uma polêmica veio à tona. A imprensa brasileira e boa parte do público viraram as costas para o músico Lobão. Isso não é nenhuma novidade. Quem acompanha a carreira do rapaz, sabe que ele nunca foi o queridinho da mídia. O que me levou a escrever esse texto é o fato que em pouquíssimos dias, três pessoas do meio artístico, sofreram ataques do público e da mídia, de maneira excessiva, por demonstrarem sua opinião. Justamente, por ser formado em jornalismo, achei que deveria me manifestar sobre o assunto. Agora, com um músico de rock no centro dos ataques, é o momento ideal para deixar minhas impressões por aqui.

Vivemos em uma época onde o politicamente correto predomina. Só que aquela velha história, qualquer coisa que seja em excesso não é sadio. Nos livramos da censura. Sim, sofremos com isso em um passado não muito distante. Inclusive, Lobão. Antes de se lançar cantor, o rapaz foi baterista de artistas como Blitz e Marina Lima. O álbum que gravou ao lado de Evandro Mesquita, As Aventuras da Blitz (um dos LPs responsáveis por abrir caminho para a cena BRock), foi censurado de maneira vergonhosa. As duas últimas faixas do LP vinham com arranhões profundos para que a pessoa que comprasse o disco não ouvisse as faixas. A Blitz era um grupo que fazia um pop irreverente e os censores acharam que a expressão ‘a puta que o pariu’ era uma afronta. Sinto dizer, mas estamos indo por esse caminho.

Estamos retrocedendo e já tem um tempo. Me lembro de uma entrevista com o humorista Renato Aragão, há uns 5 anos aproximadamente, onde ele comentava a dificuldade de criar novos textos diante do politicamente correto. Segundo o mesmo, várias piadas que realizou ao lado dos Trapalhões na década de 80, se fizesse agora sofreria processo. O problema é que Os Trapalhões faziam um humor inocente e eram assistidos por inúmeras crianças. Quando Roberto Bolãnos (Chaves) morreu, teve crítico que teve a cara de pau de escrever que o comediante fazia um humor agressivo explorando bullying. Olha onde chegamos...

Musico sofreu com censura

O ataque agora é porque em seu último show, realizado no Teatro Bradesco, o compositor Lobão, alterou a letra de sua canção. “Vida Bandida” se tornou “Dilma Bandida”. É claro, os petistas estão pedindo sua cabeça. Os defensores do governo, que pedem a punição do rapaz, deveriam se recordar que vários de seus ídolos – como Chico Buarque e Caetano Veloso – sofreram na época dos militares por conta de suas letras. Tudo bem que a escrita de Chico e Caetano é mais rebuscada, mais poética, mas a situação é a mesma. Estão sendo consideradas ameaça para o governo, então tiramos do caminho. Isso, meu amigo, chama-se censura. E é proibido proibir, certo Caetano? Antes de questionarem a integridade do velho lobo, deveriam olhar para seu próprio umbigo e ver o que seus ídolos se tornaram. Acho muito mais decepcionante que artistas com esse histórico defendam censura de biografias do que um cantor mudar de lado político por ter se decepcionado com o rumo da história.

Para quem diz que Lobão está agindo assim por querer atenção, recomendo estudar sua biografia. O músico sempre foi considerado polêmico e não é de hoje que deixa sua posição política nítida. O rapaz fez campanha política para o Lula décadas atrás, fez música criticando o presidente Fernando Collor de Mello no disco O Inferno é Fogo. “Presidente Mauricinho” era o nome da canção, onde chamava o presidente de babaca aos berros. O auê todo, como podem ver, é porque se no passado defendia a esquerda, agora a critica. Pode-se questionar a mudança de lado, mas dizer que não tinha esse tipo de atitude no passado é um pouco nonsense.

Musico já havia atacado um presidente em suas músicas anteriormente

Mais do que isso, o auê também ocorre porque nosso amigo roqueiro está indo contra a maré em uma época predominada pelo politicamente correto, onde o povo parece ter passado por uma lavagem cerebral. O jornalista Zeca Camargo foi duramente criticado por ter questionado, em uma crônica, se a cobertura da morte do Cristiano Araujo não havia sido exagerada. Muitos chegaram ao ponto de dizer que o rapaz deveria ter sido imparcial. Como assim? Imparcial em uma crônica? Muitos chegaram ao ponto de questionar quem era Zeca Camargo. Inúmeras pessoas da geração MTV. Não sou um grande fã do Zeca, mas se você cresceu assistindo MTV e nunca ouviu seu nome há algo de errado com você. Se tentou se utilizar de ironia também não deu muito certo. O que o cantor tinha de vida, ele tem de carreira. Monica Iozzi (ex-CQC) foi massacrada depois de ter comentado em uma reportagem sobre o Cazuza que os jovens que não conhecem sua obra, deveriam deixar o sertanejo um pouco de lado e ouvir suas músicas. Deixou claro: “gosto de sertanejo, mas não pode ser só isso”. De nada adiantou. “Menos sertanejo universitário, mais Cazuza” se tornou uma das frases mais comentadas nas redes sociais, quase sempre em tom de ataque.

Há quem diga que os artistas não deveriam se manifestar sobre política. Digo o contrário. Principalmente, dentro do estilo que amamos. O rock sempre foi um estilo contestador, fazia muito tempo que nossa política não era tão comentada quanto agora. Ao mesmo tempo, nosso rock nunca esteve tão irrelevante. Crítica política no rock n´ roll é algo que sempre existiu. Explorar seu ponto de vista nas letras, nos shows, pode ser um modo de trazer de volta um pouco da atitude que se perdeu. A tão cultuada cena de 80 teve muito desse engajamento. Engenheiros do Hawaii (“E o fascismo é fascinante. Deixa a gente ignorante, fascinada”), RPM (“agora a China bebe Coca-Cola, aqui na esquina cheiram cola”), Legião Urbana (“nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado”)... Todos foram questionadores. Cada um à seu modo, é claro. É óbvio que, nesses mais de 30 anos de carreira, Lobão também cometeu algumas gafes, mas ao menos dá a cara à tapa. Por isso digo; menos sertanejo universitário, mais Lobão.