Por Davi Pascale
Caso estivesse vivo, Cazuza teria
completado 55 anos agora em 2013. Essa foi a razão dos shows em homenagem à
ele, da exposição que realizaram etc etc. Infelizmente não há como negar que o
cara faz falta. As pessoas podem até torcerem o nariz, dizer que ele gravava na
gravadora do pai, que era mimado... Digam o que quiserem, mas o rapaz era um
grande artista. Bom letrista, boa presença de palco, absurdamente carismático.
A verdade é que não tem nenhum artista do cenário atual que chegue aos seus pés.
Tanto que vira e mexe, regravam suas músicas.
Nascido com o nome de Agenor de
Miranda Araujo Neto, não simpatizava com seu nome. Só passou a aceitá-lo melhor
depois que descobriu que o sambista Cartola, músico de quem era fã, tinha o
mesmo nome. A admiração pelo sambista chegou até a render uma discussão com o
amigo e músico Roberto Frejat. Cazuza queria inovar, fazer algo diferente e
sugeriu que fizessem uma versão de uma música do Cartola. Frejat via o Barão Vermelho como um
grupo de rock n roll com base no blues e se negou a fazer isso, alegando que
Barão tocava rock, não tocava samba. O tempo faria o guitarrista engolir suas
palavras, já que na década de 90, chegaram a gravar Bezerra da Silva no disco
Álbum. Cazuza deve ter gargalhado no túmulo. Afinal foi ele quem sempre disse ‘não
existe música certa e errada. O que existe é música boa e música ruim’.
Outra atitude do menino Agenor
que foi criticada por Roberto Frejat e depois copiada pelo mesmo, foi o fato de
largar a banda para se dedicar à uma carreira solo. Cazuza não queria ficar preso ao rotulo rock, queria ser livre para experimentar. Frejat dizia ‘não precisa
largar a banda, faz em paralelo’. E hoje veja o que aconteceu. Não apenas ele
se focou como cantor solo, como quando se reúne com o seu antigo grupo, sobe ao
palco com o nome de Roberto Frejat + Barão Vermelho, que nem aconteceu no Rock
in Rio desse ano. Se eu tocasse no Barão, largava ele sozinho no palco para deixar
de ser estrelinha. Frejat é um excelente músico, é um excelente compositor, mas
está deixando o ego subir à sua cabeça...
Cazuza e Frejat divergiam em relação à sonoridade do Barão |
Agora... verdade seja dita.
Cazuza era uma pessoa difícil de se lidar. O fato de ter contraído HIV, que
naquele tempo era morte certa, fez com que ele se tornasse uma pessoa
arrogante. Não era raro interromper uma apresentação do nada, responder
atravessado para um repórter. Levava uma vida boêmia, abusava de álcool,
drogas, cigarros. Definitivamente, não era o santo que pintam por aí.
Há algumas de suas atitudes, por
outro lado, que considero louváveis. Como o fato de se preocupar em terminar a
gravação de um disco, mesmo sabendo que já estava com o pé na cova, como foi o caso
de “Burguesia”. Aquela voz fraquinha que você escuta ali, não era pouco caso.
Pelo contrario, era o pouco que restava de sua voz. Dizem, inclusive, que
algumas faixas desse trabalho ele gravou deitado porque não tinha mais forças
para ficar em pé.
Outra atitude que achei legal e que
muita gente criticou (assim como muitos me criticam por dizer que não concordo
com os ataques em cima dele) foi o protesto que ele fez contra o país cuspindo
na bandeira nacional em um de seus shows. A imprensa, que deveria explicar o
ato do rapaz, limitou-se a atacá-lo pelo fato de ele estar desrespeitando o símbolo
de uma nação. Não está errado, mas deveriam ter aproveitado a ocasião e
explicado seu ato que, na verdade, era um protesto contra a situação política do país.
Na semana daquela apresentação, a inflação monetária era a maior da história
chegando a 900%, sem contar nas denuncias de assassinato do Chico Mendes que
deixou não apenas o artista, mas todo o povo brasileiro triste. O que Cazuza
estava demonstrando era indignação com tudo aquilo que estava ocorrendo. Era
como se ele dissesse que, naquele momento, tinha vergonha de ser brasileiro.
Cantor não mediu esforços para terminar seu último álbum! |
O
ato pode ter sido exagerado, mas o protesto era valido. Principalmente, por seu
uma pessoa pública e influente. O cantor chegou, inclusive, à escrever uma
carta que seu pai, o já falecido João Araujo, fez questão de proibir sua
publicação. Sua mãe, Lucinha Araujo, chegou a publicá-la no livro Só As Mães
São Felizes, anos mais tarde. De boa, deveriam ter publicado na época!
"Está havendo uma polêmica, um
escândalo, como diz o JB de terça-feira, 18 de outubro, com o fato de eu ter
cuspido na bandeira brasileira durante a música Brasil
no meu show de domingo no Canecão. Eu realmente cuspi na bandeira, e duas
vezes. Não me arrependo. Sabia muito bem o que estava fazendo, depois que um
ufanista me jogou a bandeira da platéia.
O
senhor Humberto Saad declarou que eu não entendo o que é a bandeira brasileira,
que ela não simboliza o poder, mas a nossa história. Tudo bem, eu cuspo nessa
história triste e patética.
Os
jovens americanos queimavam sua bandeira em protesto contra a guerra do Vietnã,
queimavam a bandeira de um país onde todos têm as mesmas oportunidades, onde
não há impunidade e um presidente é deposto pelo ‘simples’ fato de ter escondido alguma coisa do
povo.
Será
que as pessoas não têm consciência de que o Vietnã é logo ali, na Amazônia, que
as crianças índias são bombardeadas e assassinadas com os mesmos olhos puxados?
Que a África do Sul é aqui, nesse apartheid disfarçado em democracia, onde mais
de cinqüenta milhões de pessoas vivem à margem da Ordem e Progresso,
analfabetos e famintos?
Eu
sei muito bem o que é a bandeira do Brasil, me enrolei nela no Rock'n'Rio junto
com uma multidão que acreditava que esse país podia realmente mudar.A bandeira
de um país é o símbolo da nacionalidade para um povo.Vamos amá-la e respeitá-la
no dia em que o que está escrito nela for uma realidade. Por enquanto, estamos
esperando".
É... Como disse, o cara faz falta. Imagina o que ele não faria com todas essas
manifestações ocorrendo no país? E, claro, imagina o que ele não faria em seus
discos com a tecnologia que temos hoje, sem ter o medo de ousar, de experimentar?
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