Por Davi Pascale
A garotada muito provavelmente conhece o grupo de Roger Moreira por sua
participação no programa do humorista Danilo Gentili. Aqueles que forem um
pouco mais velhos, se recordarão da divertida “Nada a Declarar” ou ainda do Acustico MTV. Entretanto, aquele
pessoal que já passou dos 30 há algum tempo se recordará do Ultraje como trilha
de sua adolescência. Seja por conta dos inúmeros hits ou ainda por suas
divertidas participações nos programas de televisão da época. O disco mais
lembrado por todos, sem dúvidas, é o debut lançado em 1985.
Essa foi uma época especial para o rock brasileiro. O rock era
mainstream. Estava nas rádios, na TV, com matérias estampadas nos jornais e nas
revistas. E o melhor de tudo, tinha qualidade. É claro que como toda moda,
haviam aqueles grupos de segunda linha que não tinham muito a dizer ou que
copiavam a bola da vez de maneira descarada. Mas entre o pessoal que fazia
parte dos principais nomes, a história era diferente. Os artistas tinham
personalidade e faziam excelentes álbuns. O Ultraje lançou um dos melhores
discos daquela cena. Pau a pau (em termos de qualidade) com outros grandes
trabalhos da época como Revoluções Por
Minuto (RPM), Cabeça Dinossauro
(Titãs), Selvagem (Paralamas do
Sucesso), O Rock Errou (Lobão), só
para citar alguns.
Assim como aconteceu com outros grupos que gravaram antes deles, tiveram
que provar antes seu poder de fogo com o lançamento de um compacto. No caso do
Ultraje foram dois: Inutil/ Mim Quer
Tocar e Eu Me Amo/ Rebelde Sem Causa.
A consagração, contudo, veio com o LP. A formação daquela época era bem
diferente da atual. Do lineup original, somente “O Homem do QI 200” se mantém.
A bateria ficava a cargo do Leospa. Na guitarra estava Serginho Serra e no
baixo Mauricio. O Ultraje nunca parou com formação. Essa galera que registrou
o primeiro álbum já era o terceiro time. Inclusive um conhecido nome já havia
passado pelo Ultraje. Edgard Scandurra, que ganharia fama ao lado do Ira!,
havia sido guitarrista do grupo. E foi com eles que registraram o primeiro
compacto. O famoso riff de “Inútil” foi criado por ele e não por Roger Moreira.
A letra, essa sim criada por Roger, nasceu de várias situações. A
declaração de Pelé que dizia que os brasileiros não estavam preparados para votar
inspirou o verso “A gente não sabemos escolher presidente”. A derrota dos
brasileiros em Brasil X Itália na Copa de 1982, inspirou “A gente joga bola e
não consegue ganhar”. O “a gente somos” foi uma expressão que ele ouviu de um
arquiteto muito rico e “inútil” nasce de uma bronca que levou de seu pai. O
garoto foi juntando uma coisa aqui, outra ali e nasceu o primeiro hit do
Ultraje que acabou sendo utilizado como tema do Diretas Já.
Capa do compacto que contou com a participação de Edgard Scandurra |
As músicas dos compactos foram para o disco, que se tonou o primeiro LP
de rock nacional a atingir disco de ouro e platina. O vinil atingiu a marca de
500.000 cópias vendidas. Número que atualmente só é possível ser atingido com
medalhões como Roberto Carlos. Nos dias atuais, uma gravadora prensar mais de
20.000 copias é considerada uma atitude de risco. Os rapazes tinham músicas de
sobra e deixaram que o público escolhesse quais músicas seriam registradas. A
escolha ocorreu no Rádio Clube, discoteca localizada na região de Pinheiros
(SP) onde o grupo se apresentava constantemente. O público votava quais eram as
músicas que mais gostavam em um pedaço de papel. Foi nessa danceteria
também que foi registrada a famosa versão de “Independente Futebol Clube”.
Nós Vamos Invadir Sua Praia foi gravado, em clima de descontração, no famoso estúdio nas Nuvens (RJ) e emplacou 9
das 11 músicas nas rádios (e você acha que quando um artista emplaca 3 canções
está com o disco estourado, né?). A primeira a invadir as rádios foi “Ciúme”.
Na época, havia sido aprovado o Conselho Nacional do Direito da Mulher. As
mulheres começavam a ganhar independência e Roger resolveu brincar com o tema (Eu
quero levar uma vida moderninha. Deixar minha menininha sair sozinha). Outra
que tem história curiosa é “Zoraide”. A segunda música composta por Roger (A
primeira era “Mauro Bundinha” que seria registrada anos mais tarde em Por Que
Ultraje). Para criar a letra que falava sobre uma menina chata, o cantor
misturou as cobranças que tinha da namorada da época com as cobranças da
namorada de um amigo. Fico me imaginando como elas se sentiram ao ouvir a 'homenagem'...
Quem escutar com atenção a faixa título irá notar alguns vocais que não
são de Roger Moreira. Os versos que hoje são cantados pelos músicos que o
acompanham, foram registrados por Lobão, Leo Jaime (nessa época, um cantor de
rock de sucesso), Ritchie e Selvagem Big Abreu (João Penca E Seus Miquinhos
Amestrados). Roger estava com dificuldade de criar algumas rimas. Chamou a
turma e disse que era para zoar. A cara dele, não é mesmo?
Disco contou com faixa gravada na discoteca Rádio Clube |
Como se nota, esse clima de irreverência estava no dia-a-dia dos músicos,
era algo natural deles. Não era forçado. Há inclusive algumas histórias de
bastidores desse período que são muito legais como a história de que os músicos
enchiam balde com agua e deixavam em cima da porta do estúdio para que quando o
produtor do álbum abrisse (o cultuado Liminha) tomasse um banho ou de quando
colaram as portas dos quartos das meninas do Metrô (outro conjunto de sucesso
da ocasião) quando descobriram que elas estavam hospedadas no mesmo hotel que
eles. Durante muitos anos, o Ultraje a Rigor nos entregou discos que eram bem
humorados, inteligentes e cativantes. A banda, no momento, está na ativa fazendo
shows, mas não há planos, até onde eu saiba, para um novo álbum de estúdio.
Espero que mudem de ideia em breve. Adoraria ouvir um novo trabalho do Ultraje.
Faixas:
01)
Nós Vamos
Invadir Sua Praia
02)
Rebelde
Sem Causa
03)
Mim Quer
Tocar
04)
Zoraide
05)
Ciume
06)
Inutil
07)
Marylou
08)
Jesse Go
09)
Eu Me Amo
10)
Se Voce
Sabia
11)
Independente
Futebol Clube
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