domingo, 5 de abril de 2015

John Lennon e a Comparação Com Cristo



Por Davi Pascale

Em 4 de março de 1966, foi publicada pela primeira vez uma fala de John Lennon que até hoje é motivo de discussão. Aqueles que não são fãs se utilizam, até hoje, do argumento para tentar diminuí-lo, mesmo que a história não seja bem essa. No artigo de hoje, tentarei explicar sua fala. A ideia não é questionar religião, nem a crença de ninguém. É apenas demonstrar o poder da mídia, mesmo quando sensacionalista. Confere aí...

Tive a ideia desse texto quando estava escrevendo o artigo do primeiro de Abril, onde comentei sobre alguns dos famosos boatos do rock e de onde eles surgiram. Pensei por algum momento em colocá-lo na relação, mas depois achei melhor não. Há uma meia verdade. A frase foi dita, mas foi retirada de contexto. E achei que o numero de linhas para explicar o caso, talvez não fosse suficiente. Por isso, resolvi fazer esse texto.

Na época, o jornalista Maureen Cleave estava fazendo uma série chamada “How Does a Beatle Live?”. Ou no bom e velho português: “Como vive um beatle?”. Foi realizada uma matéria com cada integrante. E foi nessa série que nasceu o famoso depoimento. No entanto, não foi nessa publicação que o fato criou alvoroço. Claro que houve alguns comentários, algumas indignações, mas nada além do que qualquer entrevista possa ocasionar. O assunto pegou fogo mesmo depois que o depoimento foi publicado de maneira distorcida em uma revista adolescente norte-americana chamada Datebook.

Capa da publicação norte-americana

Fico me questionando o que teria acontecido com o cantor nos dias de hoje, onde a velocidade da informação está cada vez mais rápida e cada vez mais pessoas tiram suas conclusões pelo título de uma matéria. Nos últimos 6 meses, já tivemos varias matérias que fizeram com que vários fãs xingassem o artista desesperadamente e quando líamos a matéria por completo, víamos que o significado era outro. Claro que há uma parte de culpa das publicações que colocam manchetes sensacionalistas preocupados com o numero de cliques e se lixando para a credibilidade do artista que lhes rende os cliques. Até quando teremos que lidar com essa babaquice? Honestamente, não sei. É possível criar manchetes chamativas, sem distorcer. Basta criatividade.

O artigo original foi publicado dentro de um jornal inglês chamado London Evening Standard e tinha como intenção traçar um retrato de John Lennon. Demonstrar para seus fãs como ele era fora dos palcos. Seus gostos, suas crenças, seus costumes. Em um determinado momento, Lennon declarou: “O cristianismo irá desaparecer. Não preciso discutir sobre isso. Estou certo e irei prová-lo. Nesse momento, nós somos mais populares do que Jesus Cristo. Não sei o que irá desaparecer primeiro: o rock n´ roll ou o cristianismo”.

Como podem ver, ele não está se colocando superior à Cristo, que foi o que o artigo dos Estados Unidos deu à entender com a frase “Os Beatles são maiores do que Jesus”. Até porque ele também questionava o rock n roll e ele era um musico de rock. O que ele estava questionando é justamente até onde o cristianismo tinha toda aquela influencia na juventude que muitos pregavam, uma vez que um grupo de rock causava um fanatismo maior. Era no sentido de 'que religião é essa que causa menos impacto do que um conjunto de rock?'. E, realmente, o cristianismo em muitos países, naquela época, estava em declínio. Inclusive, na própria Inglaterra, onde o depoimento foi dado pela primeira vez. Por isso, quando o jornal foi publicado, não houve todo aquele estardalhaço que ocorreu na terra do Tio Sam. O que ele estava questionando não era o que a religião pregava, mas se ainda causava o mesmo impacto na juventude como costumava ser tempos atrás.

Artigo original pretendia demonstrar o dia-a-dia de um beatle

Durante sua estadia em Chicago, Lennon explicou: “Meu ponto de vista é baseado sobre o que li e o que observei sobre o cristianismo. Sobre o que ele era, sobre o que é e sobre o que poderia ser”. Não adiantou muita coisa. Os mais velhos começaram com a ladainha sobre a má influencia dos Beatles para a juventude, estações de rádio cristãs começaram a promover queima de discos dos Beatles, houve protestos da Klu Klux Klan, suas musicas foram proibidas de tocar nas rádios e os músicos sofreram ameaças de morte.

Em dezembro de 1966, John Lennon voltou à falar sobre o assunto para a revista Look: “Eu disse que somos mais populares do que Jesus, o que é um fato. Acredito que Jesus estava certo, Buddha estava certo, todas essas pessoas estavam certas. Todas elas estavam dizendo a mesma coisa e eu acredito. Acredito nas coisas que Jesus disse sobre amor e bondade. O que não acredito é no que as pessoas dizem que ele disse”. O artista fez questão de deixar claro que não era anti-cristo e que não considerava a aproximação da religião como algo ruim ou errado. E, mesmo assim, até hoje somos obrigados a ler depoimentos como ‘morreu cedo porque peitou Cristo’ e outros absurdos.

E quem acredita que nos dias atuais, os artistas não sofrem represálias, engana-se. Recentemente, tivemos no Brasil dois músicos declarando terem sofrido ameaças de morte por conta de seus depoimentos sobre a atual situação política do país. Um deles é o Tico Santa Cruz, cantor do Detonautas Roque Clube, que é defensor da política esquerda. O outro foi o cantor Lobão, defensor da política de direita. Quando o presidente George W Bush declarou guerra ao Iraque, o grupo country Dixie Chics comentou em um talk show que não apoiavam a guerra, as meninas foram barradas das rádios dos Estados Unidos, sumindo da mídia. Marylin Manson quando lançou seu álbum Antichrist Superstar teve que lidar com fanáticos religiosos que se plantavam na porta de seus shows tentando impedir que a apresentação ocorresse, fazendo balburdia e agredindo os jovens que apareciam no concerto. Ou seja, o fanatismo seja político ou religioso, não apenas é algo perigoso como ainda existe e sempre existiu. Cuidado com seus comentários em posts por aí. Sem querer, pode estar dando margem para algo muito maior e muito mais sério.