domingo, 6 de julho de 2014

Arnaldo Baptista - Loki (1974)





Por Davi Pascale
Hoje, Arnaldo Dias Baptista completa 66 anos de idade. Para homenageá-lo, resolvi escrever sobre esse disco. Clássico do rock brasileiro, porém desconhecido por muitos garotos da nova geração. Lançado originalmente em 1974, embora seja atualmente cultuado, na época suas vendagens foram inexpressivas. O mutante Arnaldo Baptista vivia um momento de dor. Essa dor permeia todo o álbum. Em seu primeiro trabalho solo, falava, principalmente, sobre o fim do relacionamento com a cantora Rita Lee.

Quem não conhece a história do rapaz, pode achar algumas letras estranhas. Quem conhece, considera-as autobiográficas. A canção que abre o álbum “Será Que Vou Virar Bolor” é um ótimo exemplo disso. Fala sobre a dificuldade de começar sua vida novamente do zero. A frase mais emblemática talvez seja ‘não gosto do Alice Cooper’. Para muitos, essa frase pode soar desconexa ou uma crítica à música do momento. Na verdade, a razão era outra. O cantor americano havia se apresentado pela primeira vez no Brasil naquele ano e sua ex-esposa (sim, a Rita) era acusada de ter tido um romance com um dos músicos do conjunto.

Emocionalmente abalado, o musico canta várias faixas bastante emocionado. Muitos questionam o (excelente) guitarrista Sergio Dias por continuar o Mutantes após a saída de Arnaldo. Na verdade, eu questiono a volta. Enfim, seja qual for sua crítica, a verdade é que isso já havia existido antes. O Mutantes já havia gravado um disco sem Arnaldo e sem Rita nos anos 70. Em Tudo Foi Feito Pelo Sol, Sergio já era o único integrante da formação clássica.

Arnaldo sofria com fim do casamento com Rita Lee

Arnaldo Baptista, como já disse, estava em uma fase delicada. Recém-separado de Rita Lee, brigado com seu irmão Sergio Dias (o que rendeu sua saída dos Mutantes), além de estar viciado em drogas. Muitas histórias curiosas envolvem esse período. Havia uma história de que na fase de Mutantes e Seus Cometas no Pais dos Baurets, os músicos viviam em uma comunidade hippie na Serra da Cantareira, se aprofundando cada vez mais nas drogas e nas práticas sexuais. Havia ainda uma outra história de que Arnaldo havia inventado uma linguagem própria e falava sobre construir uma nave. Como podem ver, os rapazes viviam o slogan ‘sexo, drogas e rock n roll’ como ninguém.

Lóki é marcado pela ausência de guitarras, símbolo máximo do rock n roll. Isso foi proposital. Queria fazer algo que tivesse a sua marca, e não a marca dos Mutantes. Conhecido por ser perfeccionista, muitos estranharam sua atitude de querer fazer um disco espontâneo, em pouquíssimos takes e gravado ao vivo. Mas foi um acerto. Embora seja verdade que parte dessa decisão foi influenciada por estar emocionalmente abalado. O ponto principal é seu piano, talento herdado de sua mãe, Clarisse Leite. Essa influencia fica bastante nítida na instrumental "Honky Tonky"". Embora, não tivesse a intenção de soar como os Mutantes, os músicos de sua ex-banda aparecem todos por aqui. Dinho Leme e Liminha (sim, é esse mesmo que você está pensando. O produtor) da fase final. E até mesmo Rita Lee aparece nos backing de algumas faixas. O único que não deu as caras por aqui foi Sergio Dias. Agora... musicalmente falando, realmente é bem distinto de sua ex-banda. Mistura ao seu piano clássico influencias de blues, jazz, samba, funk... Os grandes destaques ficam por conta de "Não to Nem Aí", "Vou Me Afundar Na Lingerie" e "Desculpe".

O LP foi produzido por Roberto Menescal, exímio musico conhecido por seu trabalho ligado à bossa nova. Na época, era presidente da gravadora Philips e foi ele quem tomou a decisão de viabilizar o projeto. Quando mostrou as demos em uma reunião com os engravatados, todos questionaram se ele tinha certeza que queria gravar aquele disco. Os executivos não botavam fé no material, sem contar que Arnaldo já havia criado sua fama de louco. No documentário de 2008, o produtor declarou que teve o insight de que aquele poderia ser um disco histórico. E foi! Sem dúvidas, o descaso da gravadora ajudou para que o material não vingasse. Não teve show de lançamento, a divulgação foi bem fraquinha. Entretanto, o material sobreviveu a prova do tempo.

Musico prova que era possível fazer rock sem guitarra

Esse mesmo abalo que impulsionou a criação de Lóki, também colocou meio que um fim em uma carreira que poderia ter sido interessantíssima. Além da dificuldade do fim de seu casamento com a Rita e de sua relação com as drogas, o musico tinha que viver com o preconceito da sociedade que insistia em taxa-lo como louco. Em vários momentos, o rapaz ficava agressivo, por conta de seu vício, e isso fez com que fosse internado algumas vezes. Tratado como louco mesmo, com camisa de força e tudo mais. Em 1982, na noite de Reveillon, cansado de tudo isso, Arnaldo Dias Baptista se atirou da janela do Hospital do Servidor Publico de São Paulo.

Arnaldo Baptista não morreu, mas chegou perto. O musico que sofreu traumatismo craniano, chegou a ficar em coma. O ‘acidente’ trouxe sequelas irreversíveis afetando sua coordenação e sua fala. Desde essa época, o rapaz tem se dedicado mais às pinturas do que à música. Embora seja verdade que parte disso ocorra por falta de apoio. Arnaldo tem um novo disco pronto chamado Esphera, mas ainda não conseguiu encontrar quem queira investir no projeto. Torcemos para que o disco consiga chegar às lojas em breve. Essa é mais uma daquelas figuras que é mais respeitada fora do Brasil do que dentro dele. Pena!

Faixas:
      01)   Será Que Vou Virar Bolor?
      02)   Uma Pessoa Só
      03)   Não Estou Nem Aí
      04)   Vou Me Afundar na Lingerie
      05)   Honky Tonky (Patrulha do Espaço)
      06)   Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?
      07)   Desculpe
      08)   Navegar de Novo
      09)   Te Amo Podes Crer
      10)   É Fácil